terça-feira, 1 de dezembro de 2015

João era menino criado na rua
chegou querendo colo
casa e mãe
deu o que pode
e foi pouco
ele não podia ir com ela
como pedia sempre
e ela
ao voltar andando pra casa
querendo deitar e esquecer das dores daquele dia
mas levava o menino no colo
acariciava e deixava que ele comesse de sua comida
melhor pedir por ele a quem tiver força grande
de romper todos os paradigmas conhecidos
de guardar menino da morte
não entendia bem ainda
hoje sim
com ela ia muita história dos bem mais velhos e bons
dos que passaram as maiores dores e conseguiram
ela
fraca
ganhava deles a energia pra no dia seguinte voltar
com o menino no coração
alimentado e pronto também
só desse jeito pensa ter conseguido chegar até aqui

por muito tempo percorreu o caminho que lhe mandaram seguir
logo sabia das aflições que viriam
foi assim mesmo
de dias de não se querer lembrar nasceram outros
como se fosse preciso pisar no chão irregular pra depois chegar num outro mais liso e firme
assim como sempre foi
ela espera a volta sem saber como será
de que outra maneira poderá seguir com eles
pensou em desistir
quase fez
e por agora está a espera
sabe de nada
nada mesmo

terça-feira, 24 de novembro de 2015

na primeira vez que chegou sentou bem no fundo da sala
era pequeno
muito
tinha olhos vivos e uma queimadura no rosto
mal respirava
bufava
mostrava sua raiva por estar ali
sentado
de frente pra quem nunca nem tinha visto
o pior
ter que aceitar as ordens
era assim que sabia da escola
o lugar de sentar e receber ordens pela cara
odiava
naturalmente odiava
seja lá o que fosse
ou quem
se tocassem nele era como um tapa
soco
quanto mais forte a palavra mais se parece com ele
descrever o garoto é duro
dói mesmo depois de anos

se deixar ficar entre as linhas da sala e com a bunda na cadeira
ainda que as pernas balançassem
e os olhos virassem em direção oposta aos dos outros
era coisa pra quem nunca tinha passado por onde ele passou
era acostumado a curvas
aos becos que levavam pra longe do perigo de estar entre paredes e longe da rua
era bom nisso
só não dava pra acertar sempre
vez por outra era pego
resvalava numa quina qualquer e agarravam seu destino de pardal solto em quintal dos outros


contava história de pirata
que saqueia baú de ouro
e se acha por isso
fazia fama de mal
de corajoso
pequeno que só
mas crescia nos pulos que dava lá pela Lapa toda noite
tinha força e corria bem
perfeito
quase sempre
só em dias de chuva e chão molhado
o chinelo escorregava e lá ia ele pra onde não queria por nada desse mundo
daí o ódio
o horror ao enquadramento da sala de aula
ainda que ali fosse seguro
sem pulos e também sem lei
a lei que tinha era mole de se safar
meia dúzia de gritos de uma mulher ali na frente dele
e uma quadra enorme pra se esconder depois de descer escada correndo e xingando

teve um dia que não apareceu
estranharam
porque mesmo com olheiras e roxo pelo corpo todo ele subia pra sala
marcava uma presença e fugia
mas naquela manhã não
a  mulher sentiu alívio
o lugar ia ficar menos ruim de se estar

mais tarde em casa viu o garoto estampado na página do face
encostado numa parede conhecida
no caminho de sempre

reconheceu pelo olhar antes da marca do rosto
era por ali que falava 
berrava sua raiva por ter mais uma vez sido pego
e com legenda 
de bandido perigoso do lugar

parecia menor ainda
porque sem a cadeira da sala 
no chão
diminuía
mas a legenda
era ela que o engrandecia

talvez outra hora
quando conseguisse pegar seu celular de volta
encontre força pra continuar
afinal a fama era tudo no lugar de onde vinha

a mulher não viu mais o garoto
o menino que lhe dizia não querer ficar ali e calculava a altura pro pulo até o cordão falso dela
ela torcia por outra chance de seus braços se esbarrassem por descuido de novo
quem sabe assim dissessem  a verdade um pro outro
que os dois estavam com medo
os dois não queriam estar daquele jeito ali
entre as paredes
sufocados pela ganância dos de cima

calcular o pulo
ele ensinava bem isso
mas pouco aprenderam um com o outro
só se deixaram estar ali
até serem apanhados






depois de tempo demais
parou
a mulher
parou
por um tempo
quem sabe
enquanto o sentir for ainda perigoso pra ela
porque entende no toque
percebe nos olhos
e fala com as mãos também
e tudo ficou mais perigoso
sem saber de que modo se comportar
com a boca fechada aceitar comandos
mesmo sem concordar
fingir estar tudo se encaminhando pra final feliz
sabendo não estar
desconfiar de números
ainda acreditar na palavra
mal sabe a mulher estar fora do eixo
num tempo difícil de se lidar
como num palco
numa tragédia
nem sempre anunciada como dizem
já que o inesperado ronda paradoxalmente as cabeças
o mais certo é a tentativa
e mais certo ainda
o erro
então como quem prefere se fazer de fraca
a mulher sai ainda sem terminar a peça
talvez volte num papel mais secundário ainda
escondendo sua mania feia de sentir tudo
respeitando os comandos dados por quem sabe bem o que está fazendo
e o porquê
somos todos bufões
isso sim
que tragédia que nada

quarta-feira, 27 de maio de 2015

o primeiro menor fala muito
desenha bichos
e com pedaços de papel e plástico faz aves de bicos compridos
o segundo menor nada diz
minto
sussurra palavrões e me xinga em voz alta
o primeiro menor provoca briga
talvez pra ter o que fazer fora do seu mundo de faz de conta
também xinga
a mãe e o pai dos outros
e molda caretas
o segundo menor aceita provocações
talvez pra ter o que fazer fora da sua realidade de cão
hoje os dois levantaram pra briga
o primeiro menor se entregou
o segundo menor apertou o pescoço do outro com força
a cena logo se desfez
não haverá maiores apurações
todos sabemos do primeiro
e também do segundo menor
amanhã estaremos todos lá

quinta-feira, 21 de maio de 2015



minha mãe tá aqui

sua mãe é nova demais

não

irmã

não tenho o que dizer pra senhora

pra você

não precisa

ela é assim em casa

mas nem disse como ela é

não precisa


com força de bicho arrastou mesa e cadeira
e disse que o garoto não ia sair

vou mijar no chão

mija então

blasfêmia é palavra que serve aqui
nem é pra completar verso
mas pra dar nome ao verbo

pode xingar mas não sai

a vitória era dela
porque o garoto ficou ali
raivoso e sentado
até bater sinal

agora pode

ele saiu aos pulos
a derrota era dela
quem ganhou mesmo
mais essa
nem estava ali